Comparação e a relação com a Alta Sensibilidade
Todos nós caímos na armadilha da comparação. Nos dias atuais é praticamente impossível não cair, somos bombardeados a todo momento nas redes sociais com fotos de casais e famílias perfeitas e felizes, as férias perfeitas em lugares fabulosos, conquistas profissionais incríveis e parece que todos viraram atletas profissionais com seus treinos infalíveis.
Quando nos comparamos com outros, muitas vezes de forma inconsciente e automática, damos ouvidos ao nosso pior crítico interno.
Se você é um Pessoa Altamente Sensível, isto é especialmente verdadeiro e pode acontecer com maior frequência e de forma mais intensa do que com outras pessoas. Seu sistema neurossensorial é diferente de 80% da população, além de você captar mais informações e perceber sutilezas que outras pessoas não percebem, todas as informações são processadas de maneira muito mais profunda.
É muito comum que as PAS vivam carregando a sensação de que há algo errado com elas e que nunca se sintam boas o suficiente. Crescer se sentindo diferente, com dificuldade em se encaixar, sem ter muita compreensão sobre as características da alta sensibilidade em ambientes que muitas vezes não são acolhedores, nos leva a desenvolver estes tipos de pensamento e acabamos nos tornando extremamente críticos com nós mesmos.
A comparação é o principal combustível que nosso crítico interno usa para nos colocar para baixo e roubar a nossa energia e alegria. É atribuída a Theodore Roosevelt a frase: “A comparação é o ladrão da alegria” e para mim isso faz todo sentido – se nessa vida eu experimentei momentos em que me senti realmente no inferno foi quando a comparação tomou conta de mim. A sensação muitas vezes é de não ter nenhum valor, de total impotência perante algum aspecto da vida.
A comparação ao invés de servir como inspiração para buscar melhorar, na maior parte do tempo só gera frustração, um estado de angústia constante por não estar no mesmo nível que os outros ou atendendo às expectativas da vida.
A armadilha da comparação
Qualquer comparação por si só já é injusta. Quando nos comparamos com outras pessoas, normalmente ignoramos o contexto completo e comparamos apenas uma parte do que vimos do outro, o seu melhor, aquilo que é mostrado, com o nosso pior, aquilo que somente nós conhecemos. É impossível ficar bem com isso.
Quando você é uma Pessoa Altamente Sensível, e portanto tem um traço de personalidade e características muito diferentes da maioria da população, esta comparação se torna ainda mais injusta, pois muitas vezes nos cobramos por ser e fazer a mesma coisa que outras pessoas que não são altamente sensíveis. Ao medir o nosso sucesso ou satisfação interna a partir da régua dos outros, perdemos a conexão com a nossa essência e isto nos impede de ter uma mente equilibrada, paz interna e focos nos objetivos e valores que façam sentido para nós e passamos a investir nossa energia em uma idealização do que deveríamos ser e fazer para nos considerarmos bem sucedidos e muitas vezes arriscamos a nossa autoestima nessas comparações.
A maioria das PAS que conheço tem um crítico interno muito forte, que exige nada menos que a perfeição e a comparação é um dos alimentos preferidos dessa parte que existe em nós.
Quando esta parte do nosso eu inferior, ou sombra, está no comando, ela vai usar aquilo que temos de melhor que é a nossa percepção ampliada e profundidade de pensamento para nos fazer sofrer, os nossos pensamentos ruminantes vão ter toda um riqueza de detalhes e explicações profundamente argumentadas para justificar o nosso fracasso.
Porém essa não é a nossa essência, nosso eu verdadeiro é sensível, tem empatia, se encanta, é calmo curioso, tem confiança, compaixão, clareza, criatividade e conexão.
O autoconhecimento nos permite escolher, qual parte de nós estará no comando e poder canalizar esta energia de forma saudável.
As fontes de comparação
1. Comparação com outros
Aprendemos a fazer isso ainda crianças, nos comparamos (e somos comparados) com os irmãos, com outros alunos, comparamos nossas notas, nosso desempenho nos esportes, nas brincadeiras, os nossos brinquedos, aquilo que temos, com o que os outros tem.
Com o passar do tempo, vamos adicionando novos itens para comparação e passamos a comparar a nossa popularidade com o sexo oposto, nossos corpos com ideais, comparamos nosso sucesso com o dos nossos colegas de trabalho, vizinhos, amigos, o quanto ganham, o tamanho da casa, o carro que tem, as viagens que fizeram, ou a liberdade que tem. É um buraco sem fim.
Quando nos comparamos com o outro, perdemos a consciência do que somos e do que temos, da nossa própria jornada e contexto de nossas vidas. E como PAS, normalmente nos comparamos com as pessoas que não são altamente sensíveis, o que torna aquela realização algo mais distante ainda de nós e de nossa essência. Podemos acreditar que devemos ter a mesma facilidade em tomar decisões que outras pessoas ou ser tão duras ou ter tanta energia. E é aí que passamos a achar que a nossa sensibilidade é uma fraqueza que nos impede de estar no mesmo patamar que os outros.
Mesmo a comparação com outras pessoas altamente sensíveis é completamente injusta. Podemos ter algumas característica comuns, navegamos juntos no oceano de sensibilidade, porém cada ser humano é um universo próprio e devemos evitar cair nesta armadilha também.
2. Comparação com as expectativas
Nós também nos comparamos com ideais, com expectativas que as outras pessoas tem de nós. Algumas delas até podem ser reais e outras são fantasias que criamos sobre o que os outros esperam. Muitas dessas expectativas são herdadas do meio onde vivemos, da nossa família, nossa cidade, cultura ou grupos sociais a que pertencemos.
Nesta categoria de comparação estão aquelas expectativas sobre sucesso na carreira, patrimônio, ter uma família, casar. se tornar mãe ou pai, ser o parceiro ideal, a mãe ideal, o pai ideal, o profissional ideal ou atingir certas coisas com determinada idade.
Muitas pessoas carregam o sentimento de fracasso por não atenderem a tantas expectativas sociais, muitas delas não ditas.
Sendo Pessoas Altamente Sensíveis, temos muitas diferenças em relação aos outros 80% da população e o que a sociedade criou como ideal, pode não ser o ideal para nós, porém vivemos como escravos destas definições de sucesso.
3. Comparação com seu eu passado ou eu futuro
Se você como eu, já tenha uma certa idade, frequentemente nos comparamos com aquilo que éramos capazes de fazer no passado, seja o nosso vigor, beleza, amizades, interesses, entre tantas coisas da juventude e nos consideramos um fracasso por não conseguir ser a mesma coisa que éramos há 20 anos atrás. Pode parecer absurdo, mas tenho certeza que todos fazem isso.
Também podemos nos comparar com nosso eu futuro, uma projeção daquilo que queremos ser e ainda não somos. Por exemplo, se cobrar por ainda não estar na posição profissional ou já ter escrito o seu primeiro livro.
Quando o nosso lado mais crítico usa qualquer uma destas três fontes de comparação significa que estamos tentando e nos cobrando por ser algo que não somos.
Através da comparação estamos repetidamente trazendo evidências que sustentam a crença de que não somos bons o bastante:
– Não somos bons o bastante porque não somos iguais aos outros, não somos bons o bastante porque não atingimos as expectativas dos outros, não somos bons o bastante porque não atingimos as nossas próprias expectativas, não somos bons o bastante porque não estou sendo a mesma pessoa que eu era no passado ou a que quero ser no futuro.
Estar nesse lugar, preso a estes pensamentos, a mercê de tantas comparações é como estar preso em um labirinto sem saída, a cada curva, uma nova comparação, para onde olhamos vemos somente o quanto não fizemos o suficiente, o quanto fracassamos enquanto outros tem sucesso …. e sentimos que perdemos e nada pode ser feito para mudar isso.
Se nós Pessoas Altamente Sensíveis estamos nos comparando com pessoas, expectativas e ideias que não são compatíveis com a nossa sensibilidade e forma de ser, esta é uma batalha já perdida antes mesmo de começar. Nunca seremos capazes de nos transformar em alguém que não seja altamente sensível.
As três formas de comparação listadas acima vem de uma necessidade de provar algo ao mundo, como se o nosso valor em uma sociedade dependesse disso. E essa busca por uma validação externa para provar nosso valor próprio é algo que nunca tem fim. Mas é possível sair deste labirinto e transformar essa energia.
Como transformar a energia da comparação?
Existe uma outra fonte de energia que é a essência de quem somos, a nossa sensibilidade.
Quando concentramos a nossa atenção e nossa energia em em mostrar a nós mesmos o nosso próprio valor, podemos progredir. Sem tentar ser algo diferente do que somos, mas profundamente conectados com nossa sensibilidade, podemos valorizar cada realização, cada vitória conquistada na nossa jornada individual.
Somente através desse reconhecimento interno podemos alcançar um estágio em que reconhecemos, aceitamos e valorizamos quem realmente somos e criamos um senso saudável de identidade que nos traz paz e através dele podemos dar novos passos e conquistar novos objetivos.
Cada um de nós, Pessoas Altamente Sensíveis, está na jornada da sensibilidade, vivendo em um mundo que não é muito sensível, não nos compreende, mal nos enxerga como realmente somos.
Já tivemos que enfrentar muitas batalhas internas e externas para poder expressar nossa sensibilidade, ter nossas necessidades atendidas e conquistar nosso lugar nesse mundo. Tenho certeza que todos nós temos muitas vitórias importantes nessa jornada até aqui e que merecem ser celebradas.
O que aparentemente é fácil para pessoas menos sensíveis, para nós pode exigir muito mais energia, por isso cada pequeno passo merece ser reconhecido e comemorado.
As PAS tem valores muito profundos e intangíveis por isso muitas de nossas conquistas mais preciosas não podem ser vistas, medidas ou mesmo postadas nas redes sociais. Os maiores tesouros do mundo como o amor, a amizade, a humildade, a empatia, a honestidade, a ética, a generosidade, família, a beleza de uma obra de arte, da música, do contato profundo com a natureza, a alegria e paz interior não são mensuráveis.
Não precisamos ser perfeitos para podermos celebrar nossas conquistas e sermos gratos.
Eu sou grato a mim mesmo e a você também por continuarmos aqui, nessa jornada de conhecimento e sustentação da sensibilidade em um mundo que precisa tanto de nós. E isso é muita coisa.
Quando você se encontrar tomado pela energia da comparação, tente prestar atenção, como ela se apresenta no seu corpo. Por exemplo, para mim, quando os pensamentos de comparação tomam conta e vão se repetindo, essa energia vem como uma aceleração do coração, uma leve falta de ar, uma sensação de pressão nas costas. Nós PAS temos facilidade em ouvir e perceber os sinais do nosso corpo e podemos usar essa habilidade a nosso favor.Ao reconhecer que estamos entrando nesse lugar, podemos conscientemente escolher direcionar a nossa energia para outra direção.
O primeiro passo é nos lembrar que quem somos, que somos Altamente Sensíveis e isto implica que nós funcionamos de maneira diferente da maioria das pessoas, recebemos mais estímulos, percebemos sutilezas, processamos todas informações de maneira muito profunda, temos um alto grau de empatia.
A partir disso lembrar da nossa jornada, nossas conquistas e o que é realmente importante para nós.
Conectados a nossa essência. então podemos escolher o que fazer com a questão que se apresenta para nós:
Adaptar:
Você pode adaptar o que você está vendo e pensando para algo que realmente faça sentido para você e sua essência. Talvez aquela energia da comparação esteja apontando para uma necessidade real sua, porém está totalmente distorcida pela comparação. A adaptação trata-se de mudar a perspectiva, reconhecer se existe e qual é a motivação real e conectada com seus próprios valores que você gostaria de alcançar.
Receber suporte:
Muitas vezes a energia da comparação e as métricas de sucesso padronizadas da sociedade ainda são muito fortes em nós e não conseguimos adaptar para algo que faça sentido. Porém podemos reconhecer que estamos nesse lugar e ao invés de passivamente reagir podemos intencionalmente esperar que essa energia passe, podemos nos acolher, nutrir a nós mesmos ou pedir ajuda para nossa rede de apoio que nos acolhe e nos lembra quem somos.
Por isso é tão importante se conectar a uma comunidade de Pessoas Altamente Sensíveis que pode nos lembrar da nossa essência e que outros sofrem pelos mesmos motivos tentando se encaixar.
Canalizar:
Profundamente enraizados na nossa essência, podemos de forma intencional canalizar essa energia para criar algo novo, gerar um novo movimento em nossas vidas, que nasce a partir daquilo que é vivo, real e mais importante para nós e que vai nutrir e honrar a nossa forma sensível de ser, atendendo a nossos próprios valores.
A cada vez que somos capazes de fazer isso, vamos tendo acesso a um aprendizado interno profundo de como lidar com essa energia da comparação de forma saudável na sociedade em que precisamos viver, sem nos perder, sem achar que precisamos competir para existir.
Conclusão
Todos nós já caímos na armadilha da comparação e vamos ainda cair muitas vezes.
É especialmente fácil hoje em dia, com a enxurrada de lindos retratos e textos exaltando conquistas individuais nas redes sociais. Nem sempre vamos conseguir estar conscientes e fazer as melhores escolhas, o importante é ir ampliando a consciência cada dia um pouco mais, com muita compaixão consigo mesmo, e pouco a pouco dominando e fazendo melhor uso dessa energia de forma coerente com a nossa essência.
Confie na sua sensibilidade, na sua intuição, naquilo que é importante e ressoa com o seu coração como bússola para seus objetivos e caminhos a seguir.
Para se se compreender melhor, aprenda o máximo que puder sobre Pessoas Altamente Sensíveis, leia livros, artigos, veja vídeos, ouça podcasts. Quanto mais você souber sobre o traço e como ele se expressa em sua própria jornada de vida, de forma única, maiores serão as chances de se aceitar e limitar a forma como se compara aos outros.
Faça amizade com outras PAS. Muitas vezes, as Pessoas Altamente Sensíveis se sentem sozinhas, isoladas e diferentes de todos os outros. Por isso precisamos da comunidade. Existem diversos grupos no Facebook e WhatsApp que você pode participar!
Lembre-se sempre, ninguém é perfeito e nem precisamos ser.
Conte comigo na sua jornada.
Fábio Cunha
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